O Crepúsculo da Feijoada Verde

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terça-feira, 21 de junho de 2011


Rodrigo Francisco Barbosa
[1]

O presente texto trata-se de uma espécie de arguição pública acerca da resenha feita pelo Xerox em seu blog[2] da Feijoada Verde realizada no dia 11 de junho de 2011[3].
O “tom” da crítica já nos parece um indício de uma possível reflexão acerca da legitimidade atual do evento: como parte de um dos idealizadores da Feijoada Verde, o que significa uma crítica como a que o Xerox nos apresenta? Algo mudou consistentemente que contradiz qualquer “princípio” (se é que tenha algum) da realização desta festa? Analisemos tal indício e em que medida o “tom” do texto do Xerox pode ter contribuído para mal entendidos do ponto de vista pessoal, principalmente.
Este indício de que “opa, alguma coisa mudou aqui” é interessante para refletirmos numa escala mais geral sobre a própria compulsão de, na vida, fixarmos uma coisa que jamais, em princípio, poderia ser fixada. Este problema por mais abstrato que pareça é tão cotidiano como respirar: você se lembra de quando se apaixonou perdidamente por alguém e, num dado momento sentiu que, ao usar um “eu te amo” isso já não significava quase nada mais para a outra pessoa? É disso que se trata: a promessa de tentar “fixar” este amor é de uma origem incompatível com a natureza da paixão que flui como o rio de Heráclito. Trata-se de, usando a metáfora de Fitzgerald, negligenciar as microfissuras que acontecem na porcelana, da qual não vemos, mas num dado momento trinca toda a estrutura sem ao menos desconfiarmos: a aparência intacta da porcelana não nos permite ver as microfissuras que, na própria fluidez das coisas, arruína-a lentamente desestruturando uma estrutura que tínhamos como assegurada: eu te amo já soa estranho!
Tal sentimento deve ser pensado no âmbito das modificações já evidentes como destaca Xerox: “Na presente edição, não pude colaborar como nos anos anteriores[...]”. No tocante a tais modificações, acredito que não se trata aqui de endossar uma posição nostálgica em relação a “como era” e “como está” por parte do Xerox – parece-me que se trata de outra coisa. Acompanhando o “tom” do texto e, a partir de conversas que já tivemos, trata-se, como me parece, de um olhar agudo para uma rachadura precisa nessa porcelana underground de nossas vidas: A Feijoada Verde em seu transcurso promove reflexões mesmo que sutis no âmbito da exploração animal, no âmbito da exploração humana e de como levamos nossas pedras até o topo da montanha do cotidiano como um Sísífo contemporâneo?
Isto fica bem claro em passagens como: “Disso tudo vem o estímulo para se elaborar GIGs bem estruturadas e proporcionar espaço para inclusão de alternativas práticas dentro do contexto 'libertação animal'” em que a preocupação do Xerox é, basicamente, em relação aos efeitos reflexivos que, por exemplo, o peso do nome da festa “Feijoada Verde” possa acarretar. Essa preocupação reflexiva, de multiplicação dos efeitos de reflexão sempre foi um dos traços do punk e, não de modo diferente, aparece também no texto relacionado às bandas: “a favor de ideias a serem expostas de maneira que cause questionamento”. Esse é o espirito do punk, do “do it yourself” e não apenas deles.
Este me parece ter sido o ponto fundamental que, devido a ausência de uma explicitação maior por parte do Xerox, pode ter gerado algum tipo de ressonância pessoal indevida, quer dizer, uma ambiguidade fundamental acerca do que se gostaria de dizer e, neste caso, criticar. Neste ponto o Xerox tem todo o direito de me corrigir numa possível réplica, mas a partir da análise desse seu texto posso dizer, com toda seriedade que, o caráter multiplicador de sua crítica reside exatamente em não deixar de lado um problema que é central não apenas em relação a Feijoada Verde:  o não reconhecimento da fluidez, do fluxo das coisas e da mudança que não só deve ser ressaltado, mas coroado como parece ter feito o Xerox em meio a microfissuras que ele também, em certa medida, fora responsável por desenvolver: não parar de fixar (coisa impossível no humano), mas reconhecer os limites da fixidez e, se possível, não temer morrer no auge como uma Marilyn Monroe.   

Leia o texto integral do Xerox sobre a Feijoada Verde.


[1] Rodrigo é estudante de Filosofia e mantém o blog www.antiniilina.blogspot.com. Escrito 20 de junho de 2011.
[2] Xerox é o codnome do meu amigo Juliano mantenedor do blog www.xeroxandcopy.blogspot.com e do projeto musical www.myspace.com/xeroxandycopy.
[3] A Feijoada Verde é um evento realizado desde 2005 pelo pessoal da contracultura punk-hardcore da cidade de Ourinhos interior de São Paulo. Este evento passou a ser realizado após um grupo de ativistas que protestavam contra a realização do rodeio na FAPI (Feira Agro-pecuária Industrial) serem brutalmente espancados, tudo documentado neste vídeo (http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/06/319757.shtml). Em resposta ao acontecimento, e a anual presença de exploração animal na Feira, os ativistas se dedicaram a realizar este evento todo último domingo da Feira em que aconteciam shows, debates, amostra de vídeos, e troca de experiências entre grupos e indivíduos ligados ou não ao ativismo político. Cobrando um valor irrisório para a entrada (que oscilava entre 3 a 8 reais), ao término das bandas é servido, já incluso no valor, uma feijoada vegetariana para todos os participantes.


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