A coragem para o amor: uma resenha do “Triste cru” da banda Guido

0c

segunda-feira, 29 de outubro de 2012





No segundo semestre de 2012 foi lançado o disco de estreia da banda paulista Guido intitulado "triste cru". O disco, que é a reunião de 14 faixas compostas desde 2006, foi disponibilizado na internet no site oficial da banda Guidooficial. Quero deixar bem claro que os comentários tecidos aqui não devem por um lado, reduzir as possibilidades de interpretar a complexidade do disco e, muito menos, por outro lado, ser um comentário "técnico" sobre as músicas. Antes disso, me proponho a certificar de que o que será realizado nas linhas abaixo é uma maneira de "me colocar" na situação junto à banda, descrevendo os efeitos multiplicadores que esse projeto obteve num ouvinte insignificante, mas nem por isso menos atento ou passivo como eu.
Amém a primeira faixa do álbum de estreia vem a meus olhos como uma espécie de "coragem", tal como me parece o desafio sonoro do disco. Talvez, uma "coragem para o amor", a mesma coragem que falta a algumas bandas e projetos que por falta de força ou mesmo pela conveniência do ouvido treinado ao ruído, escapam a esse desafio. Trata-se no caso do Guido, e dessa faixa em específico, de um “amém” às possibilidades infinitas da vida que correm entre a "colheita de manjericão" e as "estradas de chão" cujo objetivo é, decisivamente, nos fazer "levitar". Levitar sem clichê ou romantismo barato: simplesmente “levitar” ante os espasmos que a vida mesma nos oferece em seus detalhes. Nada melhor para uma primeira faixa do que dizer um "eu aceito", por tudo, "por você", "por mim" e "pelos anos a sós". Ali se diz sim, e se firma uma "tese" com o que ainda nos permite rir, se diz "aaméeeim!".
Das dificuldades e o evitamento do Paraná que implicam alguma “re” deixada em algum outro Estado de nossa alma como em Rebordosa, re saca,  o doce sabor do beijo doce “feito um Biju” da faixa Biju, que vem à tona a cada acorde e proximidade “du cê”, até as discussões acaloradas de uma “dupla da pequena burguesia” que após um refresco em goles de chope, “sonha” ao voltar pra casa de Mão dada, encontramos a faixa “Sem Nome II”.
Sem Nome II é a faixa inominável do disco, ou seja, não é possível descrevê-la através de um nome ou designação sem reduzi-la por completo. Embora seja, como todas as letras do disco, uma letra com uma simplicidade temática que causa inveja, é uma faixa que deve ser ouvida. Após um estranhamento inicial, ela me veio como um acaso feliz que me aturdiu e impeliu a pensar sobre como as coisas mais enigmaticamente prazerosas são situações inomináveis que, geralmente se confundem deliciosamente, com situações inolvidáveis. Sem Nome II é a faixa que me faz caminhar mais rápido na rua. Apesar da obsessão pelo "sofá", há uma unidade narrativa tão simples e genial como são as melhores coisas do mundo: duas pessoas como eu e você sem ter muita coisa a fazer a não ser viver-a-dois entre a preguiça e as páginas interrompidas pelo sexo.
Logo após o descanso no “sofá” é pela Alameda das flores que nos encontramos. Esse percurso trouxe até mim o cheiro da possibilidade de, embora ligeiramente “triste e crú”, “participar” e não simplesmente “assistir” tudo isso. Há sim, nessa faixa um frio que emana dos lugares abertos e “solitários” em que o vento pode correr livre e tocar as flores. No entanto, é ali, entre o frio e a liberdade da “alameda das flores” que o “sentido” de conferir um “sentido” é garantido. Ao sentir os múltiplos cheiros dessa faixa “eu vejo sentado que o mundo passa” e participando dele eu quero ele de novo e de novo porque é um cheiro que me torna vivo, mesmo solitário.
Nosso passeio continua acentuadamente mais melancólico e passa por Búfalos e Hantaros com suas “mudanças consigo” que intriga e nos faz “pedir para amar” bem como “perder o coração” com o auxílio de alguém que, nos “joga da corda mais fina”. Quase a ponto de nos fazer “chorar” chegamos à faixa Doces que em sua corajosa tentativa de esperança, torna menos amargo o coração, embora ainda não o faça tão doce como os beijos doces de Biju. Chegamos assim, ao regozijo do disco, a hora em que se acorda e se sacode todo amargor: Bom dia!
Bom dia, com sua batida compassada e deliciosamente melodiosa, é um canto de deleite das manhãs. O movimento é o próprio movimento de uma manhã. A dois, se diz um bom dia que resplandece o início do prazer de ser uma coisa que respira, observa “os olhos inchados” da companhia, pensando o quão intensamente se “viveu na noite passada”. Há uma preguiça que motiva o riff cuja intensão é puramente simular uma aurora: sim, o amém agora é transformado em “bom dia”, em sim à vida! Enquanto sentimos essa preguiça da manhã e uma tristeza timbrosa cheia de sol e frescor, se “traz o café na cama para dizer: Bom dia!”, mesmo que ainda se saiba como “um tanto quanto boba é a razão da nossa vida”!
As duas faixas Bom dia e Catavento parecem se ligar de uma maneira extremamente curiosa: enquanto aquela é uma “ode” as manhãs de café na cama e sorrisos inchados, essa é a descrição desesperada de uma pulsão que quer se extinguir, um cata-vento que roda em torno de si e não aceita mais o vento. “Não vá embora” diz a melodia, descrevendo as intensões do cata-vento de se libertar daquilo que, no fundo, o impele: eu vejo a face desse cata-vento feminino que infelizmente se “perdeu na dor” e para deixar de existir, paradoxalmente, “alça voo”.
Fico, quando posso, preso a essa faixa. E aturdido faço uma espécie de incitamento do silêncio, como irei fazer neste momento: alguma coisa pesa nessa melodia que põe em cheque as outras letras e melodias possíveis, ela me prepara para aquilo que eu não queria definitivamente sentir: a dor de uma perda.
Estas foram as minhas impressões parciais sobre o disco “Triste crú” da banda Guido, mas isto, cá’entre nós, o resto é silêncio e deve ser guardado... 
Inicio Feed Twitter E-mail Favoritos Email Email

Antiniilina 2009. Alguns Direitos Reservados.
Termos de Uso | Política de Privacidade | | Projeto | Expediente | Contato | BB