Análise - As Rãs do mundo helênico

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quarta-feira, 3 de março de 2010

No intuito de realizar a presente análise de uma obra literária da Antiguidade, utilizarei o seguinte critério demarcatório extraido do pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche: a intensificação do sentimento de poder. Por meio deste crítério será possível analisar em que medida tal artefato literário merece minha (ou nossa conforme o caso) catalogação na sessão "Antídotos" - caso a confirmação do efeito dessa obra como intesificadora do sentimento de poder seja afirmativa - ou na sessão "IML" - conforme a obra esteja fadada a "inanição espiritual".

A obra analisada foi "As Rãs" de Aristófanes. Vale lembrar que esta Comédia teve sua estreia para os atenienses em 405 a.C. obtendo o primeiro lugar no concurso de peças. Das 44 comédias escritas por Aristófanes, apenas 11 chegaram até nossos dias. Um dos aspectos principais dessa "modalidade" de encenação artística é que a Comédia em Atenas correspondia, em certo sentido, à imprensa de hoje na medida em que, nela, instituições políticas e a corrupção dos políticos, os abusos de autoridades, peças de teatro, etc, eram objeto de crítica mordazes em sua maioria. Ademais, outro elemento fundamental de caracterização da comédia em contrapartida a Tragédia, era a comunicação direta entre o autor e os espectadores devido a fala do Corifeu que se dirigia a plateia na paráfrase. Por fim, o título da peça é uma alusão ao coro das rãs que coaxam enquanto Carón, o barqueiro do Inferno, transporta Dioniso em sua barca através do pântano.

Em termos de "conteúdo" desta Comédia, uma vez que Ésquilo e Eurípides já estavam mortos e Sófocles (1) acabara de morrer, não havioa mais um poeta trágico à altura daqueles dois em Atenas. É deste modo que Dioniso disfarçado de Heraclés vai até o Hades (2) trazer de volta à vida um dos dois autores trágicos. Ao chegar no Inferno, Dioniso encontra Ésquilo e Eurípides disputando o trono da Tragédia no Inferno e, ele então, é convidado por Hades a decidir qual dos dois seria o melhor em sua "arte". Nessa altura a peça toma "um ar" interessante de exercício de crítica literária e paródia dos meios literários de ambos. Frases como "Quando vou ao teatro, invenções como estas me fazem envelhecer mais de um ano" dita por Dioniso em relação a peças de autores como Frínico, Lisias e Ameiosias (3), poderiam, certamente, serem pronunciadas por qualquer um de nós, hoje, que adentra o espaço escuro e empoeirado semelhante a mausoleus ou tumbas, como são no mais das vezes os teatros de nosso tempo.

Acerca do crítério de intensificação do sentimento de poder, posso elencar como aspecto afirmativo a presença do agon grego, isto é, o fato de que nem mesmo no Inferno cessam de lutar, seja por puro prazer na disputa, seja pelo reconhecimento heroico da superioridade em relação a seus opositores em "ofício". Tal elemento me faz pensar numa espécie de disputa de "épocas" que aparece como "pano de fundo" da discussão sobre quem seria o melhor poeta trágico: de um lado, temos  Ésquilo o primeiro poeta trágico, sublime e obscuro, representante do período clássico e da tradição oral (e, portanto, musical) que teve seu ápice "formular" nos poemas Homéricos; do outro lado, temos Eurípides porta-voz de Sócrates, "criador de mendigos" - como diz Ésquilo -, introdutor do raciocínio e da reflexão no teatro, criador do prólogo suscinto, isto é, aquele do qual se pode acrescentar após qualquer trecho um "e perdeu sua garrafinha" como zomba Ésquilo, enfim, aquele que evoca o "cotidiano" para cima do palco.

Levando esse contraste com a seriedade do riso, poderia dizer que ambos os poetas aparecem como sintoma de épocas distintas em que, de um lado, está o critério da "oralidade" como juiz do que é fecundo ou decadente e, d´outro lado, o critério da "reflexão" com o qual inclusive após a invenção do alfabeto, a língua (e, portanto, o texto escrito) é tornada artefato e, isto acarreta "avanços" criativos de reavaliação e raciocínios lógicos para a posteridade.

Eis o suffler dos palcos gregos: uma disputa epocal de monstros sagrados que, pelo seu pendor pela disputa, assim, sem mais nem menos, numa gratuidade reconfortante, elevam nosso sentimento de poder.

Notas
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(1) Ésquilo (525-456 a.C), Eurípides (485-407 a.C), Sófocles (496-406 a.C) todos dramaturgos gregos;
(2) Hades - Rei dos Infernos, mansão dos mortos, morte.
(3) Frínico - mau poeta contemporâneo de Aristofanes; Lisias - poeta cômico, menos frio que Frínico, também contemporâneo à Aristófanes, igualmente à Ameipsias.
Imagem: greciantiga


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