No segundo semestre de
2012 foi lançado o disco de estreia da banda paulista Guido intitulado "triste cru". O disco, que é a reunião
de 14 faixas compostas desde 2006, foi disponibilizado na internet no site
oficial da banda Guidooficial. Quero
deixar bem claro que os comentários tecidos aqui não devem por um lado, reduzir
as possibilidades de interpretar a complexidade do disco e, muito menos, por
outro lado, ser um comentário "técnico" sobre as músicas. Antes
disso, me proponho a certificar de que o que será realizado nas linhas abaixo é
uma maneira de "me colocar" na situação junto à banda, descrevendo os
efeitos multiplicadores que esse projeto obteve num ouvinte insignificante, mas
nem por isso menos atento ou passivo como eu.
Amém
a primeira faixa do álbum de estreia vem a meus olhos como uma espécie de
"coragem", tal como me parece o desafio
sonoro do disco. Talvez, uma "coragem para o amor", a mesma coragem
que falta a algumas bandas e projetos que por falta de força ou mesmo pela conveniência
do ouvido treinado ao ruído, escapam
a esse desafio. Trata-se no caso do Guido, e dessa faixa em específico, de um “amém”
às possibilidades infinitas da vida que correm entre a "colheita de
manjericão" e as "estradas de chão" cujo objetivo é,
decisivamente, nos fazer "levitar". Levitar sem clichê ou romantismo barato: simplesmente “levitar”
ante os espasmos que a vida mesma nos oferece em seus detalhes. Nada melhor para
uma primeira faixa do que dizer um "eu aceito", por tudo, "por
você", "por mim" e "pelos anos a sós". Ali se diz sim,
e se firma uma "tese" com o que ainda nos permite rir, se diz
"aaméeeim!".
Das dificuldades e o
evitamento do Paraná que implicam alguma “re” deixada em algum outro Estado de
nossa alma como em Rebordosa, re saca, o doce sabor do beijo doce “feito um Biju” da
faixa Biju, que vem à tona a
cada acorde e proximidade “du cê”, até as discussões acaloradas de uma “dupla
da pequena burguesia” que após um refresco em goles de chope, “sonha” ao voltar
pra casa de Mão dada,
encontramos a faixa “Sem Nome II”.
Sem Nome II
é a faixa inominável do disco, ou seja, não é possível descrevê-la através de
um nome ou designação sem reduzi-la por completo. Embora seja, como todas as
letras do disco, uma letra com uma simplicidade temática que causa inveja, é
uma faixa que deve ser ouvida. Após
um estranhamento inicial, ela me veio como um acaso feliz que me aturdiu e impeliu a pensar sobre como as coisas
mais enigmaticamente prazerosas são situações inomináveis que, geralmente se
confundem deliciosamente, com situações inolvidáveis. Sem Nome II é a faixa que me faz caminhar mais rápido na rua.
Apesar da obsessão pelo "sofá", há uma unidade narrativa tão simples
e genial como são as melhores coisas do mundo: duas pessoas como eu e você sem
ter muita coisa a fazer a não ser viver-a-dois entre a preguiça e as páginas
interrompidas pelo sexo.
Logo após o descanso no
“sofá” é pela Alameda das
flores que nos encontramos. Esse percurso trouxe até mim o cheiro da possibilidade de, embora ligeiramente “triste
e crú”, “participar” e não simplesmente “assistir” tudo isso. Há sim, nessa
faixa um frio que emana dos lugares
abertos e “solitários” em que o vento pode correr livre e tocar as flores. No
entanto, é ali, entre o frio e a liberdade da “alameda das flores” que o “sentido”
de conferir um “sentido” é garantido. Ao sentir os múltiplos cheiros dessa
faixa “eu vejo sentado que o mundo passa” e participando dele eu quero ele de
novo e de novo porque é um cheiro que me torna vivo, mesmo solitário.
Nosso passeio continua
acentuadamente mais melancólico e passa por Búfalos e
Hantaros com suas “mudanças consigo” que intriga e nos faz “pedir para
amar” bem como “perder o coração” com o auxílio de alguém que, nos “joga da
corda mais fina”. Quase a ponto de nos fazer “chorar” chegamos à faixa Doces que em sua
corajosa tentativa de esperança, torna menos amargo o coração, embora ainda não
o faça tão doce como os beijos doces de Biju.
Chegamos assim, ao regozijo do disco, a hora em que se acorda e se sacode todo
amargor: Bom dia!
Bom dia,
com sua batida compassada e deliciosamente melodiosa, é um canto de deleite das
manhãs. O movimento é o próprio movimento de uma manhã. A dois, se diz um bom dia que resplandece o início do
prazer de ser uma coisa que respira, observa “os olhos inchados” da companhia,
pensando o quão intensamente se “viveu na noite passada”. Há uma preguiça que
motiva o riff cuja intensão é
puramente simular uma aurora: sim, o
amém agora é transformado em “bom dia”, em sim
à vida! Enquanto sentimos essa preguiça da manhã e uma tristeza timbrosa cheia de sol e frescor, se “traz
o café na cama para dizer: Bom dia!”, mesmo que ainda se saiba como “um tanto
quanto boba é a razão da nossa vida”!
As duas faixas Bom dia e Catavento
parecem se ligar de uma maneira extremamente curiosa: enquanto aquela é uma “ode”
as manhãs de café na cama e sorrisos
inchados, essa é a descrição desesperada de uma pulsão que quer se extinguir,
um cata-vento que roda em torno de si e não aceita mais o vento. “Não vá embora”
diz a melodia, descrevendo as intensões do cata-vento de se libertar daquilo
que, no fundo, o impele: eu vejo a face desse cata-vento feminino que infelizmente
se “perdeu na dor” e para deixar de existir, paradoxalmente, “alça voo”.
Fico, quando posso,
preso a essa faixa. E aturdido faço uma espécie de incitamento do silêncio, como irei fazer neste momento: alguma
coisa pesa nessa melodia que põe em cheque as outras letras e melodias possíveis,
ela me prepara para aquilo que eu não queria definitivamente sentir: a dor de uma perda.
Estas foram as minhas
impressões parciais sobre o disco “Triste crú” da banda Guido, mas isto, cá’entre
nós, o resto é silêncio e deve ser guardado...
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