Ela passou por mim e sorriu

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quinta-feira, 8 de setembro de 2011


“Meu bairro feio tornou-se perfeito e um monte de entulho, jardim” é deste modo que uma das canções mais lindas de Deolinda[1] por meio de uma letra cotidianamente perfeita descreve o efeito potencial daquilo que às vezes chamamos “estar apaixonado” ou mesmo “amor”. É deste efeito potencial sobre a pessoa que dedico este presente editorial.

Amparado na honestidade e beleza da canção “Passou por mim e sorriu” gostaria de me atrever a dizer algumas coisas, coisas pequenas – reconheço desde já –, em relação a esse tema por um lado, tão recorrente em canções, poesias e na arte, e, por outro lado, tão incrivelmente complexo e repleto de significações que tentam reduzir sua amplitude – para não dizer que o banalizam.

É preciso ter certa coragem para tentar “dizer algumas coisas” sobre esse efeito potencial. Quase uma coragem “cavalheiresca” como a de Stendhal que chega a assumir que para ele na vida só interessa o “amor”. Conhecedor profundo da complexidade deste efeito potencial, Stendhal relatou em seus romances as “dinâmicas” e as consequências muitas vezes funestas deste “efeito” sobre as pessoas. Antes de tocar em suas considerações acerca do amor, retomemos Deolinda[2] para trazer a tona os elementos principais de uma definição desse “efeito”.

Alguém passa por mim e sorri. A chuva que caia - como num sinal maravilhoso –, para quando o sorriso avisto. O bairro que é feio torna-se perfeito e o monte de entulho torna-se jardim. O charco inquinado volta a ser lago e o peixe ao contrário vira-se. Do esgoto empestado sai um rio perfumado de nenúfares em flor. Do que se trata? Que efeito potencial é esse responsável por esses milagres “naturais” que, no fundo, não tem nada além de humano? Sim, naturais: a chuva pára, o aspecto do bairro e do lixo se alteram substancialmente, o esgoto se torna um rio de pureza e perfume. Do que se trata?

As pessoas no aperto do ônibus suspiram ao me verem passar, sem pressas por que a tempos existe um imenso prazer no momento e todo o resto pode esperar. E baila o ladrão com o policia pela mão esvoaçando confetes no ar. Do que se trata? Que capacidade magnifica deste efeito potencial humano que permite tal transformação das coisas? A própria canção nos dá indicio do que seja: um “delírio do amor”!

Stendhal parece vislumbrar tal efeito potencial, aquele que faz milagres “naturais” e outros mais, por meio de uma metáfora retirada de uma experiência dos poços de Salzburgo no inverno: “Cristalização”! Pegue um ramo de uma planta qualquer; jogue esse ramo amarrado a uma corda num poço em Salzburgo e espere alguns dias. Ao retirar o ramo novamente eis que surge a metáfora: cristaiszinhos de sal encobriram o ramo e já não se pode ver o galho inicial: isto é a cristalização, a principal etapa do efeito potencial humano chamado amor. Ela é uma metáfora apropriada a Stendhal para descrever o amor: o amor, ou seu principal componente, é a cristalização, este processo de criar perfeições onde não existem.

Sendo “a mariposa bela e airosa, que pinta o mundo de cor de rosa” a canção descreve em parte este estado potencial de criar perfeições ou cores onde elas não existem. E o “mundo deu nisso” apenas por que “alguém passou por mim” imaginem se esta mesma pessoa viesse me “falar”? Embora pareça tolo e patético, jamais deixaríamos de amar sabendo que se trata desse processo tão simples e, na maioria das vezes, doloroso de conhecer o "amor".

Veja a letra completa AQUI.


[1] www.deolinda.com.pt
[2] De modo algum desejamos “explicar” a letra da canção de Deolinda, trata-se em ultima instancia de uma ardorosa homenagem a essa banda genial.


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